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Ele quis me aniquilar viva’: saiba o que é pornografia de revanche e conheça histórias de vítimas
Divulgar e compartilhar fotos íntimas sem autorização é crime. Mulher que deu nome a lei teve imagens compartilhadas 7 milhões de vezes. Professora de dança foi exposta por colega.
Por Vivian Souza, Anaísa Catucci, Gabriel Croquer, g1
05/02/2023 10h36 Atualizado há 8 meses
‘Violentada a cada clique’, vítimas contam consequências da pornografia de revanche
“Ele quis me aniquilar mesmo. Ele me queimou viva, provocou uma morte civil”. A frase é usada por uma vítima de um tipo de crime pouco discutido: a pornografia de vingança ou de revanche, o “porn revenge”, em inglês.
Rose Leonel, a autora da frase, foi alvo dessa violência entre 2005 e 2013. O ex-companheiro da apresentadora compartilhou diversas fotos íntimas feitas durante o relacionamento.
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Quando não havia mais imagens novas para divulgar, ele começou a fazer edições para incluí-la em cenas de filmes pornô, o chamado deepfake.
Durante os sete anos de perseguição, Rose teve a sua intimidade compartilhada 7 milhões de vezes, inclusive em outros países, apontou a perícia. O criminoso chegou distribuir CDs com as imagens na rua.
Ela perdeu o emprego. Os filhos foram alvos de bullying e ela decidiu mandar um deles morar com o pai no exterior. Em 2013, após a condenação por calúnia e difamação, a pena do criminoso foi pagar uma multa de R$ 30 mil.
Mas foi por causa de Rose que registrar imagens íntimas sem autorização virou crime no Código Penal, no final de 2018. Outra lei da mesma época criminaliza a divulgação sem consentimento.
São elas:
lei Rose Leonel (13.772/18): considera crime o “registro não autorizado da intimidade sexual”; punição é seis meses a 1 ano de detenção;
lei 13.718/18: criminaliza a “divulgação de cena de estupro, sexo ou pornografia sem consentimento”, inclusive o compartilhamento; a pena varia de 1 a 5 anos de reclusão. Ela prevê agravamento da pena se o autor mantém ou manteve relação íntima de afeto com a vítima ou se o ato for por vingança ou humilhação, o que caracteriza a “pornografia de revanche”.
O Brasil registrou ao menos 5.271 processos judiciais envolvendo o registro e a divulgação de imagens íntimas sem consentimento. Eles foram abertos entre janeiro de 2019 e julho de 2022.
A média é de 4 registros por dia, sendo que o estado com o maior número de casos é em Minas Gerais (18,8%), seguido de Mato Grosso (10,93%) e Rio Grande do Sul (10,17%).
É o que aponta um levantamento do exclusivo do g1 feito a partir de informações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e da consulta aos Tribunais de Justiça dos estados. (Confira o levantamento completo aqui).
Apesar de as leis previrem prisão, o mais comum no Brasil ainda é que a questão seja resolvida com multas ou trabalho voluntário, afirma a advogada Iolanda Garay, presidente da Associação Nacional das Vítimas de Internet (Anvint).
“Mas é muito importante que a vítima compreenda que, mesmo ele (o criminoso) não sendo preso, ele estará respondendo e isso pode implicar uma série de consequências negativas para ele”, completa Iolanda.
Na “pornografia de revanche”, o objetivo principal do agressor é causar vergonha à vítima, além de haver a quebra de confiança, explica a advogada.
As imagens usadas nesse crime podem também ser montagens com o rosto da vítima, como o que aconteceu com a Rose Leonel. “70% do que foi para a internet eram montagens dele”, diz ela.
Apesar de serem mais comuns os casos envolvendo mulheres e ex-companheiros, o crime pode acontecer com qualquer gênero. E o agressor pode ser um pai e até mesmo uma amiga, explica a advogada.
Duas vítimas, além de Rose, relataram ao g1 o sofrimento de serem vítimas de pornografia de revanche. Conheça as histórias abaixo.
Colega de trabalho expôs as fotos
A professora de dança Rhuanna Nurrelly, de Garanhuns (PE), foi vítima de exposição de imagem íntima em 2014. O caso dela é um pouco diferente: quem tornou as imagens públicas foi uma colega de trabalho.
Um ex-namorado de Rhuanna compartilhava as fotos dela com um amigo que, por sua vez, namorava essa colega de trabalho.
O amigo do namorado de Rhuanna enviava mensagens assediando a professora. Ao saber disso, a colega ficou com ciúmes e resolveu publicar as imagens no Facebook.
“No momento que eu vi, que eu recebi a notícia, foi um baque. Você não espera que o seu momento de troca de confiança seja aberto para todas as pessoas. Então, é um soco no estômago. Não há explicação do sentimento de dor e de vergonha”, conta Rhuanna.
“Vem toda a questão profissional, todo o contexto familiar. Você pensa nas suas relações futuras, que está tudo acabado. Então, é realmente aquele momento em que você olha para o lado e não vê saída”, completa.
Após o ataque, Rhuanna foi afastada do trabalho. A divulgação ocorreu quando ela estava começando um novo namoro, que acabou após o rapaz não se sentir confortável em se relacionar com alguém que tem fotos íntimas públicas.
Com a divulgação do caso na imprensa, a ex-colega teve que deixar a cidade. Desencorajada pelo advogado, Rhuanna não quis procurar a Justiça.
“As palavras que eu recebi do advogado eram que realmente não iria dar em nada. Que iria levar anos”, lembra. “O máximo que eu iria conseguir, se conseguisse alguma coisa, era que a pessoa, sendo descoberta, iria pagar cestas básicas ou um trabalho voluntário por meses, mas que isso só iria me trazer de novo à tona essa visibilidade ruim”.
Mas ela decidiu fazer um ensaio fotográfico sensual para mostrar o corpo ao seu modo.
8 anos sendo ameaçada
Joana* é perseguida virtualmente pelo seu ex-namorado e sofreu diversas ameaças por mais de oito anos. Já foi agredida fisicamente e teme que ele divulgue as imagens que trocavam, considerando que ele publicou fotos de suas ex-namoradas em sites pornôs. Quando ela descobriu este histórico, terminou a relação.
“Até hoje eu convivo com medo desse conteúdo vazar. Eu vivi esses anos todos acuada e com medo. Isso afetou minha vida profissional e conjugal, destruiu a minha última relação e como eu transferi isso nesta figura do agressor para meu companheiro na época”, conta Joana*.
“Eu tenho certeza de que eu não colaborei para que essas coisas pudessem acontecer comigo. Eu não permiti que ele filmasse a gente no ato sexual e todas as vezes que a gente trocava imagens eu pedia para ele apagar. Eu trabalhei com a confiança nisso”, relata.
Esse tipo de situação, de terror psicológico gerado pelas ameaças à vítima, pode ser enquadrada na Lei Maria da Penha, segundo advogados.
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Joana teve até que tomar remédio para problemas psicológicos, já que sentia que seu ex-namorado a atacaria a qualquer momento. O caso ainda segue na Justiça.
Iolanda explica qual a sensação das vítimas: “Esse agressor, ele vira um super-herói. É uma coisa fora do normal, né? Ele vira uma pessoa com plenos poderes”.
Entre as consequências para as vítimas, essa violência pode causar:
depressão;
fobias;
transtorno alimentar.
Rose Leonel foi entrevistada pelo Globo Repórter, em 2013:
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Vítimas silenciadas
A maioria das vítimas desses crimes são mulheres que não se sentem confortáveis em denunciar, diz Iolanda.
“Eu fui revitimizada na delegacia, sofria discriminação, preconceito. Aquela velha história de que ‘em briga de marido e mulher, a gente não mete a colher’. ‘Está brigando aí, daqui a pouco está junto. Vai voltar’. Então são conversas machistas que eu ouvia o tempo todo”, lembra Rose Leonel.
“Esse crime de divulgação de imagem íntima não autorizada tem uma similaridade com o estupro, onde a mulher é culpabilizada”, afirma.
Por causa disso, “a vítima só busca apoio quando, de fato, o negócio não tem mais o que fazer. Quando ela já não está suportando mais tamanha violência”, explica a advogada Mariana Tripode, que tem registrado um aumento no número de clientes para casos envolvendo o crime.
Brasil tem ao menos 4 processos por dia
Especialistas dizem que não se sabe o tamanho do problema no Brasil. Muitos dados ainda são desconhecidos: o CNJ não tem informações do Rio de Janeiro e outros 5 estados em relação aos processos que envolvem uma das leis, por exemplo. O g1 procurou os TJs desses estados e também não obteve os dados (leia mais ao fim da reportagem).
Outros fatores que contribuem para o “apagão”, segundo especialistas, são o medo das vítimas de denunciar e o fato de que práticas como divulgar nudes e cenas de sexo sem consentimento só receberam legislação específica no Código Penal em dezembro de 2018.
Culpa, medo e pouca informação
Boletins de ocorrência registrados no Rio de Janeiro entre 2019 e 2022, relacionados ao registro de imagens íntimas sem autorização, citam que, de 194 vítimas, 67% delas eram próximas dos agressores.
A lei 13.718/18, que criminaliza a divulgação dessas imagens, prevê agravamento da pena de 1 a 5 anos de prisão se o autor mantém ou manteve relação íntima de afeto com a vítima ou se o ato for por vingança ou humilhação. É o que acontece na chamada “pornografia de vingança”.
Mulheres são a maioria dos alvos. Em São Paulo, por exemplo, elas foram 87% das vítimas citadas em boletins de ocorrência no estado envolvendo o registro de imagens íntimas sem autorização.
Como foi feito o levantamento
O g1 teve dificuldades em obter as informações sobre os processos judiciais envolvendo as duas leis que punem registro e divulgação de imagens íntimas sem consentimento.
Sobre os que citam a lei Rose Leonel, que pune o registro de imagens íntimas sem autorização, o CNJ reúne dados de processos de 20 estados e do Distrito Federal, abertos entre junho de 2021 e julho de 2022. Não há informações de Acre, Alagoas, Amapá, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e Roraima.
Para obter dados anteriores, uma vez que a lei começou a vigorar no fim de 2018, e as informações de estados que não constam no relatório do CNJ, o g1 consultou os Tribunais de Justiça de todos os estados.
Mas 18 não responderam, incluindo Acre, Alagoas, Amapá, Rio Grande do Norte e Roraima, cujos dados também não aparecem na lista do CNJ. O TJ-RJ disse que não poderia fazer uma filtragem dos processos pela lei específica para a reportagem.
Em relação aos processos que citam a lei 13.718/18, que pune divulgação de cena de estupro, sexo ou pornografia sem consentimento, o CNJ possui o número de processos abertos de 2019 até julho de 2022, exceto os de Alagoas e de Roraima.
Os dados de boletins de ocorrência de São Paulo e do Rio de Janeiro relacionados a esses crimes foram obtidos pelo g1 por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).
O nome Joana* é fictício.