Virou rotina: todos os dias fotos, vídeos curtos de ações corriqueiras do dia-a-dia são postados nas redes sociais. O que antes era um hábito particular, aos poucos foi virando assunto a ser mostrado para conhecidos e, muitas vezes, a desconhecidos também. Mas você já parou para pensar nas consequências que a hiper-exposição da sua intimidade pode causar na sua vida?
A noção de privacidade e intimidade permeia o convívio humano há milênios, sendo um dos aspectos que nos distingue como espécie, associado à civilidade e ao urbanismo. O estudo da “comunicação proxêmica” auxilia nesse entendimento. O termo foi cunhado em 1963 pelo psicólogo norte-americano Edward Hall (dê uma olhadinha na Wikipedia) e é usado para descrever os espaços de conforto sobre o que é público e privado para cada indivíduo, o que varia de acordo com a cultura, a idade, preferências pessoais e outros.
Para os ocidentais, as 4 zonas ao redor de cada indivíduo costumam se desdobrar da seguinte forma: as pessoas se sentem confortáveis com aproximação indiscriminada/pública em uma distância acima de 3,6m. No círculo social, só há conforto em relações já entabuladas, o que varia na distância entre 1,2m a 3,6m, considerando que a pandemia possa ter ampliado essas distâncias. O círculo pessoal só admite com conforto as pessoas bem próximas, em uma distância de 30cm a 1,2m. Menos que isso, a aproximação é confortável apenas para os íntimos (menos de 30cm).

No entanto, todos os dias, as pessoas jogam quilômetros de informações visuais íntimas para uma coleção de estranhos. Um universo cuja individualização e identificação é impossível. Paradoxal, já que em público, o expositor de internet não permitiria de forma confortável que estranhos tocassem sua face, porque deveriam chegar a menos de 30cm de si. Mas na internet ele revela a todos e quaisquer coisas tão íntimas que só caberia expor a pessoas que tivessem o privilégio do toque corporal.
O caráter privado ou íntimo de certos atos, como necessidades orgânicas, atos próprios de relações afetivas, confraternizações restritas, o próprio alimentar-se, é uma construção do homem que traduz o mesmo espírito: certas coisas, é melhor que sejam privadas (compartilhadas apenas com os mais chegados) ou íntimas (minimamente compartilhadas), e muitas vezes, segredos jamais revelados. Então, é surreal observar que, de forma voluntária, pessoas comuns se tornam “socialmente nuas” sem nenhum pudor, colocando-se em posição de serem aviltadas, invadidas em sua intimidade, e o que é pior, rigorosamente julgadas. E esse é o grande problema da hiper exposição: o famigerado tribunal da internet, composto pela plêiade de especialistas em qualquer coisa.

A Associação Nacional das Vítimas de Internet – ANVINT faz um importante alerta: “situações que seriam corriqueiras em um círculo restrito, como seu amigo dançando com sua filha pequena. Abraçou? Abusou? Jamais saberemos observando um único vídeo, mas é certo que não teria havido nenhuma repercussão se, simplesmente, aquele momento não tivesse sido gravado, ou, tivesse sido registrado e apenas compartilhado com status de confidencial entre os amigos presentes, posto que muito privado”.

Casou com festão e se separou em seguida? Era a melhor amiga da ex? Comeu frango mas disse que era vegetariana? Fez festinha de aniversário só para família no isolamento social? Torce loucamente pra político? Fez ensaio fotográfico na maternidade e não poderia? Fala sobre tudo e qualquer coisa e perdeu o direito ao silêncio? “Os mais recentes casos de apedrejamento digital, apelidados carinhosamente de cancelamento, tiveram em seu nascimento, quase sempre, o inicial rompimento da fronteira da privacidade e da moderação”, conforme a ANVINT.

“Recentemente, removemos no Instagram mais de 300 postagens NUM ÚNICO PERFIL, indevidas de menores de 12 anos”, declara a Associação. Casais comuns que desenvolveram dinâmicas de hiper exposição da própria rotina, dos filhos, e no momento do rompimento, o clima azeda e ninguém mais quer dar o gosto para o outro de ver os próprios filhos estampados em uma ou outra rede social. Algumas pessoas estão nessa por motivos profissionais, como artistas, influencers, BBBs. A esmagadora maioria apenas está ao redor ou foi assolado pelo modismo.

Assim, mostre apenas o que você conscientemente permitir que os outros vejam, selecione criteriosamente esses “outros” e sempre registre momentos com extrema moderação. Muito cuidado, porque a privacidade vale ouro. A intimidade então, nem se fala, é uma pedra preciosa que pertence à personalidade. Não entregue assim tão fácil.

Para a reprodução do texto deve mencionar a fonte: ANVINT – Associação Nacional das Vítimas de Internet.

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